Na primeira quinzena do mês de dezembro de 2019, há um primeiro doente com uma pneumonia de origem desconhecida.

https://science.sciencemag.org/content/367/6475/234

No final desse mês de dezembro (dia 30) é feita uma primeira referência à ocorrência de pneumonia de origem desconhecida em Wuhan.

No início do mês de janeiro é identificado um primeiro genoma completo de um novo coronavírus (dia 3), e no dia 10 do mesmo mês é feita uma publicação pública com uma sequência oficial do novo coronavírus.

http://weekly.chinacdc.cn/en/article/id/a3907201-f64f-4154-a19e-4253b453d10c

https://virological.org/t/novel-2019-coronavirus-genome/319

A 9 de Janeiro, morre o primeiro paciente com a pneumonia de origem desconhecida, um homem de 61 anos com tumores abdominais e uma doença crónica no fígado.

https://science.sciencemag.org/content/367/6475/234

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa2001017

A 11 de Janeiro, não existem trabalhos científicos publicados sobre a infeção causada pelo novo coronavírus.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30183-5/fulltext

A 24 de Janeiro é publicado o artigo mais citado sobre o novo coronavírus.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30183-5/fulltext

Até agora, algum detalhe que salte à vista?

Saber toda esta informação só é possível, porque o método científico promove um registo da informação tão robusto quanto possível.

É a regra, não é a exceção.

Existe todo um processo que procura controlar o maior número de possibilidades de enviesamento, de forma a que as conclusões correspondam de forma fiável à compreensão do fenómeno.

Este é um aspeto-chave!

Tudo começa com um projeto de investigação que é apreciado por uma comissão que atesta o cumprimento dos princípios éticos.

Uma vez aprovado, a recolha de dados deve respeitar os mesmos princípios éticos. 

Em seguida, com base nos dados recolhidos é escrito um manuscrito.

Esse manuscrito tem de descrever o que já foi escrito sobre o tema de investigação, descrever os passos que foram seguidos (para que o estudo possa ser novamente replicado), discutir os resultados e aportar conclusões/implicações.

Além disso, deve reportar as limitações dos estudos, bem como propostas para estudos futuros. Nada é perfeito, tudo pode ser melhorado.

Mas a informação disponível não fica por aqui. O financiamento e os conflitos de interesse são também reportados.

Em muitos casos é também referida a data de receção, aceitação e publicação do manuscrito.

Uma vez o artigo enviado para uma revista científica será revisto por um Editor especialista no assunto.

Caso reconheça qualidade e utilidade no manuscrito, encaminhará para uma revisão também por especialistas, que é feita de forma cega.

Os seus contributos serão fundamentais para que a qualidade do artigo saia reforçada.

O modo “copy e paste” não tem lugar!

Toda uma transparência que não se coaduna com a emoção baseada leitura das “letras gordas”, nem com a tentativa de obter visualizações, cliques e audiências, de forma desesperada.

Toda uma transparência que permite que os trabalhos possam suportar recomendações com base nas evidências, que a sua qualidade seja avaliada, mas também que os resultados possam ser questionados.

Por essa última razão, existem cartas ao editor ou abertas e retratamentos. Ver exemplos abaixo.

https://zenodo.org/record/3862789#.X_4rfTlxfIV

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31324-6/fulltext

https://www.bmj.com/content/bmj/369/bmj.m2197.full.pdf

É promovido o contraditório e o debate. Faz parte. Ver exemplo abaixo.

https://www.bmj.com/content/371/bmj.m4037

A propósito do tema da moda, mais de 88 mil artigos foram produzidos, com um pico recorde semanal de mais de 4000 artigos.

A National Institutes of Health e a National Library of Medicine têm toda a produção científica em revistas credíveis organizada no site abaixo.

Tópicos, países onde são produzidos os artigos e produção semanal são apresentados.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/research/coronavirus/

É factual. Tem existido uma produção científica verdadeiramente exponencial sobre o tema!

Assim, levantam-se várias questões…

Dada a urgência e novidade do campo de estudo, os estudos não poderão ter sérias limitações, que limitam o corpo de evidência e consequentemente a robustez das recomendações?

O epidemiologista de referência mundial John Ioannidis coloca algumas questões. Ver abaixo.

Perante tanta produção científica o objeto de estudo continua a realmente ser “desconhecido” e “novo” como apelam os “títulos sensacionalistas” das diferentes fontes?

Muitas perguntas estão por responder…como acontece sempre em Ciência. É assim.

Temos assim uma “zona cinzenta”, composta pelo que ainda não sabemos e pela fragilidade do que já sabemos, mas também a emoção e a razão.

As perguntas continuam a ser muitas…

Não pode assim ser dado espaço aos opinion makers, que tudo o que precisam de ter é a segurança calorosa da sua opinião? E ao mesmo tempo que digam com o que todos concordam ou considerem útil?

Aquando na “zona cinzenta”, não poderá existir espaço para destronar a razão, e em simultâneo alimentar a descrença na verdade objetiva?

Pelo menos, 50% de probabilidade…ou não?

Não pode assim ganhar força a utilidade de determinada verdade, gerando todo um consenso universalmente útil, aceite, irrefutável, e altamente replicável?

Seguindo essa hipótese, todo e qualquer argumento por mais racional que seja é incapaz de rebater a “vontade de acreditar” que captura o comum dos mortais.

Ou não?

Não poderá a “vontade de acreditar” criada pela informação sempre igual, disseminada por diferentes meios e a toda a hora, e de forma emocionalmente atrativa, estar a marginalizar a qualidade dos argumentos, logo da razão?

Onde entra o problema da integração, aquele que as pessoas levam realmente a sério, ao invés de querer conhecer a realidade? Ou não é possível isso acontecer?

Estaremos a andar em círculo?

Mas afinal a Ciência, o que diz?


Gualdim Pais

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